13 Dezembro 2021
“Esta Virgem não é nenhuma Maria de olhos azuis e rosto pálido envolvendo um bebê. Ela é uma princesa Nahuatl. Bela, grávida, com seu manto, azul celeste e cravejado de estrelas com o céu noturno, envolvendo seu corpo com dobras em cascata em uma lua crescente segurada por um anjo”, escreve Steven Salido Fisher, capelão do Centro Médico da Rush University, em artigo publicado por National Catholic Repoter, 10-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A história de La Virgen de Guadalupe, como a conheço, começa ao lado da cama de minha abuela.
“Reza para la Virgencita para que te proteja”, dizia ela enquanto apontava para o retrato pendurado acima da cabeceira de sua cama em sua casa na Cidade do México.
Esta Virgem não é nenhuma Maria de olhos azuis e rosto pálido envolvendo um bebê. Ela é uma princesa Nahuatl. Bela, grávida, com seu manto, azul celeste e cravejado de estrelas com o céu noturno, envolvendo seu corpo com dobras em cascata em uma lua crescente segurada por um anjo.
No final do dia, com a companhia de minha irmã e meu irmão, nossa abuela nos acalmava nos mistérios do rosário sob o olhar de La Virgen. Enquanto meus irmãos cantarolavam Santa Marias ao meu lado, nossas mãos agarradas firmemente à colcha da cama, eu relaxava minha postura e começava a contar as estrelas no manto de La Virgen, ansioso pelo momento em que minha abuela me dispensasse de nosso posto.
Mal sabia eu que escolhi uma forma de oração em vez de outra. Perder minha atenção na imagem de La Virgen tornou-se seu próprio ato de devoção; para devolver ao seu olhar um ato de oração.
De volta a Chicago, ela foi mais uma exportação de uma família mexicana que imigrou para os Estados Unidos. Os santinhos de La Virgen de Guadalupe apareciam de repente em lugares menos esperados em nossa casa: dobrados em carteiras, em gavetas, entre as páginas de uma velha revista de culinária. Um dia, encontrei um escondido debaixo de um sanduíche na minha lancheira. “Para que te ayude durante el examen”, dizia o bilhete de minha mãe.
A cada canto, La Virgen de Guadalupe nos lembrava sua proteção prometida agora e na hora de nossa morte. Hoje, carrego uma pilha de santinhos de oração nos bolsos do meu casaco para dar aos pacientes de língua espanhola que encontro no hospital.
Um dia, um paciente pediu dois: “um para dar ao cirurgião, por providência”, ele sorriu.
Em outra noite, conheci uma família de nove pessoas acomodada no quarto de hospital de sua falecida mãe, suas mãos segurando a estampa de La Virgen enquanto seus filhos adultos oravam e cantavam sobre seu corpo, uma única enfermeira pairando entre eles com uma caixa de lencinhos de papel. A ternura de suas vozes me convidou a cantar e chorar com eles.
Quando minha abuela morreu, no meio desta pandemia, minha família embarcou em um avião para a Cidade do México.
Por muitos meses, ela ficou deitada no quarto onde me ensinou a orar. Nesta sala, seu corpo se tornou mais ossos do que carne, e sua respiração mais suave e silenciosa do que a vibração de uma borboleta.
Não chorei em seu funeral nem cantei quando visitamos a Basílica de La Virgen de Guadalupe em sua homenagem. Em vez disso, comecei a me perguntar que fotografia dela melhor homenagearia sua vida em meu altar do Día de los Muertos. “Muito cedo”, pensei comigo mesmo.
À minha volta, na basílica, outros peregrinos orbitavam o retrato da Virgem em constante procissão. Presentes de flores e velas e orações e canções foram trazidos e preparados, colocados no chão. É aqui que mulheres e homens entram de joelhos e ensinam os filhos a dar graças, como minha abuela uma vez me ensinou. Um universo cíclico de recitações girava em cada conta do rosário com um pulso que sussurrava: “Dios te salve, Maria... Santa Maria, Madre de Dios”.
Nosso voo de volta aos Estados Unidos inevitavelmente levou a uma longa fila na alfândega. Uma família atrás de mim reclamou ruidosamente que suas férias em Cancún eram muito curtas e, quando cheguei ao início da fila, o funcionário da alfândega me perguntou o motivo da viagem, ao qual só pude responder com uma palavra: “Família”.
Quando o táxi finalmente me levou de volta ao meu apartamento, abri minha mala e vi tudo o que herdei de minha abuela. Peguei sua blusa e enterrei meu rosto nas flores bordadas. Seu cheiro imperfeitamente descrito de manteiga de cacau, óleos essenciais e cascas de laranja floresceram no ar, e é como se eu estivesse de volta ao lado da cama dela orando para La Virgen com ela, contando as estrelas no próprio manto de La Virgen. Percebi que esse cheiro logo se perderá para sempre e, finalmente, começo a chorar.
Minha abuela me dizia que La Virgen está sempre nos observando do céu para nos proteger. Mas eu não posso te dizer por que algumas estrelas começam a desvanecer e desaparecer completamente da noite. Não sei dizer por que uma estrela que ardeu por milênios repentinamente afunda no peso de sua própria gravidade e não mais perfura nosso céu poluído pela luz.
Mas eu sei que um santinho pode pesar apenas 4,5 gramas. Pego um santinho de La Virgen do bolso, e desajeitadamente abrindo a capinha do telefone, coloco-o dentro para carregá-lo comigo diariamente. É um ato diário de lembrança, responsabilidade e oração pelos outros que espero ser capaz de nunca esquecer.
“Proteja-me”, peço a La Virgen e coloco meu telefone de volta no bolso do casaco.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sobre o poder e a proteção prometida de La Virgen de Guadalupe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU